Por J. C. RYLE.
"Fujam da idolatria" (1Co 10.14).
À primeira vista pode parecer que o texto que
encabeça esta página não seja necessário na Inglaterra. Numa época de educação
e inteligência como a nossa, quase podemos chegar à conclusão de que é perda de
tempo dizer a um inglês que "fuja da idolatria".
Atrevo-me a dizer que pensar assim seria um grande
erro. Creio que vivemos num tempo em que a questão da idolatria encontra-se bem
perto de nós, ao nosso redor e mesmo entre nós. Em poucas palavras, o segundo
mandamento está sendo transgredido.
Sem mais preâmbulos, proponho que consideremos os
seguintes quatro pontos:
I. Definição de idolatria. O que é?
II. A causa da idolatria. De onde provém?
III. A forma que a idolatria adota na Igreja visível de
Cristo. Onde está?
IV. A abolição definitiva da idolatria. O que acabará com ela?
Creio que a questão está cercada de dificuldades.
Nossa sorte está lançada numa época em que a Verdade está constantemente em
perigo de ser sacrificada no altar de uma suposta tolerância, de um suposto
amor, de uma suposta paz. Contudo, estou certo de que a verdade sobre a
idolatria é a mesma em todas as épocas, em todos os tempos.
I. Permitam-me, em primeiro lugar, oferecer uma definição de
idolatria, e mostrar-lhes o que a idolatria é.
Compreender isso é da maior importância. Nessa
questão há muitas indefinições e confusões, como sói acontecer em assuntos
religiosos. O cristão que não deseja errar continuamente em sua jornada
espiritual precisa ter uma rota bem sinalizada em sua mente, com definições
claras.
Afirmo, portanto, que a idolatria é a
adoração em que a honra que somente Deus merece e somente a Ele deve ser
rendida é entregue a Suas criaturas ou a invenções de Suas criaturas.
A idolatria tem várias faces. Pode adotar uma infinidade
de formas segundo o grau de ignorância ou de conhecimento. Pode ser obviamente
absurda e ridícula ou pode aproximar-se bastante da Verdade e admitir as
defesas mais apaixonadas. Mas, seja na adoração a um deus hindu ou na adoração
à hóstia na basílica de São Pedro em Roma, o princípio da idolatria é o mesmo.
Em ambos os casos, a honra que somente Deus merece é tirada d'Ele e
entregue a algo que não é Deus. E onde quer que isso aconteça, seja num
templo pagão ou em igrejas que professam ser cristãs, acontece um ato de
idolatria.
Não é preciso que um homem rejeite formalmente a
Deus e a Cristo para ser um idólatra. Longe disso. É perfeitamente compatível
professar reverência ao Deus da Bíblia e ao mesmo tempo praticar a idolatria.
Os filhos de Israel nunca pensaram em renunciar a Deus quando persuadiram Aarão
para que fizesse um bezerro de ouro. "Estes são teus deuses [Elohim]
que te tiraram da terra do Egito", disseram. E a festa em honra ao bezerro
foi chamada de "festa dedicada a Yahweh" (Ex 32.4,5). Jeroboão, por
exemplo, jamais pretendeu pedir às dez tribos que abandonassem sua lealdade ao
Deus de Davi e Salomão. Quando ergueu os bezerros de ouro em Dã e Betel, disse:
"Vocês já subiram muito a Jerusalém. Aqui estão os seus deuses [seus Elohim], ó Israel, que tiraram vocês do Egito" (1Rs 12.28). Devemos
observar que em nenhum desses casos um ídolo foi erigido no lugar de Deus, mas
sim como uma "ajuda", uma "escada" para cultuar a Deus. Mas
em ambos os casos um grande pecado foi cometido. A honra devida unicamente a
Deus foi entregue a uma representação de Deus. A majestade e a glória de Yahweh
foram ofendidas. O segundo mandamento foi quebrado. Aos olhos de Deus houve um
flagrante ato de idolatria.
É tempo de tirarmos de nossas mentes ideias vagas
sobre idolatria tão comuns em nossa época. Não devemos pensar, como fazem
muitos, que somente há dois tipos de idolatria: a idolatria espiritual do homem
que ama a sua esposa, seu filho ou seu dinheiro mais do que ama a Deus e a
crassa e aberta idolatria do homem que se inclina diante de uma imagem de
madeira, metal ou pedra porque não conhece outra coisa. Sem dúvida, a idolatria
é um pecado que ocupa um espaço muito maior do que isso. Não é meramente algo
que ocorre na Índia e de que ouvimos falar em reuniões missionárias, nem é algo
que se limita a nossos corações e que podemos confessar, de joelhos, diante do
Trono da Graça. Idolatria é uma enfermidade que assola a Igreja de Cristo muito
mais do que se imagina. É um mal que, como o homem do pecado, se assenta no
santuário de Deus (2Ts 2.4). É um pecado que todos precisamos vigiar e contra o
qual todos devemos orar constantemente. Ele se desliza em nossa adoração de
forma quase imperceptível, e, de repente, cai sobre nós. Quão terríveis são as
palavras que Isaías dirigiu não ao adorador de Baal, mas ao judeu frequentador
do Templo: "Mas aquele que sacrifica um boi é como quem mata um
homem; aquele que sacrifica um cordeiro, é como quem quebra o pescoço de um
cachorro; aquele que faz oferta de cereal é como quem apresenta sangue de
porco, e aquele que queima incenso memorial, é como quem adora um ídolo. Eles
escolheram os seus caminhos, e suas almas têm prazer em suas práticas
detestáveis" (Is 66.3).
Este é um pecado que Deus censurou especialmente em
Sua Palavra. Um dos Dez Mandamentos está dedicado à sua proibição. Nem um só
deles contém uma declaração tão solene da natureza de Deus e de Seus juízos
contra os desobedientes: "Não te prostrarás diante deles nem lhes
prestarás culto, porque eu, o SENHOR, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo
os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles
que me desprezam" (Ex 20.5). Talvez nenhum outro mandamento seja tão
enfatizado quanto este, especialmente no capítulo 4 de Deuteronômio.
Esse é o pecado que os judeus parecem ter sido mais
propensos a cometer antes da destruição do Templo de Salomão. O que é a
história de Israel sob seus juízes e reis, senão a triste repetição de inúmeras
quedas na idolatria? Uma e outra vez lemos sobre os "lugares altos" e
seus falsos deuses. Uma e outra vez lemos da recaída no velho pecado. Parece
que o amor aos ídolos fazia parte da carne e do sangue dos israelitas. Em
outras palavras, o pecado dominante da Igreja do Antigo Testamento era a idolatria.
Israel desviava-se constantemente para os ídolos e adorava a obra de mãos
humanas.
Esse é o pecado, dentre todos os demais, que tem
acarretado os juízos mais severos de Deus sobre a Igreja visível. Trouxe sobre
Israel os exércitos do Egito, Síria, Assíria e Babilônia. Dispersou as dez
tribos, queimou Jerusalém e levou Judá e Benjamim ao cativeiro. Em tempos
posteriores trouxe sobre as igrejas orientais a avalanche da invasão sarracena
e transformou muitos jardins espirituais em desertos. A desolação que hoje
reina onde outrora pregaram Cipriano e Agostinho, a morte em vida na qual estão
presas as igrejas da Ásia Menor e da Síria, tudo isso é consequência desse
pecado. Todas as coisas testificam da mesma grande verdade que proclama nosso
Senhor em Isaías: "Eu sou o SENHOR; este é o meu nome! Não darei a outro a
minha glória nem a imagens o meu louvor" (Is 42.8).
Precisamos entender o fenômeno da idolatria se
quisermos manter pura a Igreja de Cristo. Não foi em vão que o Apóstolo Paulo
nos deu esta ordem: "Fujam da idolatria".
II. Em segundo lugar, permitam-me mostrar a causa da idolatria. De onde ela provém?
Para o homem que tem uma ideia exagerada sobre o
intelecto humano e a razão, a idolatria pode parecer uma coisa absurda. Pode
pensar que a idolatria é irracional demais para pôr alguém em perigo, exceto,
talvez, mentes muito débeis.
Para alguém que vê o Cristianismo de modo
superficial, o perigo da idolatria pode parecer muito pequeno. "Mesmo que
quebrem muitos mandamentos" - dizem - "os cristãos não são
susceptíveis de cair no engano da idolatria".
Bem, pensar desse modo demonstra um lamentável
desconhecimento da natureza humana. Há raízes secretas de idolatria no interior
de todos nós. A presença marcante da idolatria em todas as épocas entre os
pagãos e as advertências dos ministros protestantes contra a idolatria
comprovam cabalmente isso.
A causa de toda a idolatria é a corrupção natural
do coração do homem. Essa grande enfermidade congênita com a qual todos os
filhos de Adão nascem infectados se manifesta de muitas e variadas formas. Da
mesma fonte de onde saem "os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os
roubos, os homicídios, os adultérios, as cobiças, as maldades, o engano, a
devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez" (Mc 7.21,22)
surgem também as falsas ideias sobre Deus e as falsas ideias sobre adoração; e
quando o Apóstolo Paulo fala aos gálatas sobre as "obras da carne"
(Gl 5.20), coloca a idolatria em lugar de destaque entre elas.
O homem terá sempre algum tipo de religião. Deus
não ficou sem testemunho entre nós. Como velhas inscrições soterradas sob
montanhas de escombros, como escritos quase apagados em antigos palimpsestos,
há algo gravado tenuamente no fundo do coração humano, algo que nos faz sentir
que deve haver alguma religião e algum tipo de culto. A prova disso pode ser
encontrada ao redor de todo o planeta. O homem sempre terá alguma forma de
culto.
Então entram em jogo os efeitos da Queda. O
desconhecimento de Deus, os conceitos carnais e vis a respeito da natureza e
dos atributos divinos, ideias mundanas e sensuais a respeito do culto que é
aceitável para a Divindade, tudo isso caracteriza a religião do homem natural.
Há um desejo em sua mente de ver, sentir e tocar a Divindade. Quer trazer Deus
ao seu próprio nível degradado. Não tem a mínima ideia sobre a religião do
coração, da fé e do espírito. Em resumo, deseja viver com Deus ao mesmo tempo
em que vive de forma corrompida e caída. Até ser renovado pelo Espírito Santo,
o homem sempre prestará um culto distorcido. A idolatria, portanto, é um produto
do coração caído do homem. É uma erva daninha que, como terra sem cultivo, o
coração está sempre disposto a produzir.
Nos surpreendemos ao ler sobre a idolatria de
Israel, a Igreja do Antigo Testamento, a adoração a Baal, Moloque, Quemos e
Aserá; os lugares altos e os postes-ídolo; as imagens de madeira, e tudo isso à
luz da lei mosaica? Não deveríamos nos surpreender. Há uma explicação. Há uma
causa.
Nos surpreendemos ao ler sobre como a idolatria se
infiltrou gradualmente na Igreja de Cristo, como pouco a pouco foi substituindo
o verdadeiro Evangelho, até que os homens chegaram a preferir o altar da Virgem
Maria ao de Jesus Cristo? Deixemos de nos surpreender; é compreensível. Há uma
causa.
Nos surpreende ouvir falar de homens que abandonam
o protestantismo e voltam para a Igreja de Roma? Pensamos que é inexplicável e
cremos que nós mesmos jamais poderíamos abandonar a verdadeira adoração pela do
papa? Não deveríamos ficar surpresos. Há uma causa.
Essa causa é a corrupção do coração humano. Há uma
propensão e uma tendência natural em todos nós de oferecer a Deus uma adoração
carnal, sensual, e não a que Ele ordena em Sua Palavra. Estamos sempre
dispostos, devido a nossa preguiça e incredulidade, a inventar ajudas visíveis
e atalhos em nossa aproximação a Deus. De fato, a idolatria é fácil, é como ir
ladeira abaixo, num caminho amplo e espaçoso. A adoração genuína, por outro
lado, é como remar contra a corrente. Qualquer outra forma de adoração é mais
agradável para o coração corrompido do ser humano do que aquela descrita por
nosso Senhor: "Em espírito e em verdade" (Jo 4.23).
Particularmente não fico surpreso com a amplitude
de idolatria que existe tanto no mundo quanto na Igreja visível. Creio que é
perfeitamente factível que vivamos para ver muito mais do que poderíamos
imaginar, nesse quesito. Não ficaria surpreso se surgisse algum poderoso
Anticristo pessoal antes do fim, poderoso intelectualmente, poderoso em
talentos para o governo, sim, e poderoso, talvez, até mesmo em sinais
milagrosos. Não ficaria surpreso em ver alguém assim levantando-se contra
Cristo e comandando uma conspiração contra o Evangelho. E estou certo de que
muitos se deleitariam em honrar semelhante personagem. Creio que muitos o
tratariam como um deus, o reverenciariam como a encarnação da Verdade e o
cultuariam como um grande herói. É uma possibilidade. Mas de uma coisa estou
certo: nenhum homem está a salvo da idolatria, mesmo os que afirmam desprezar
qualquer religião; e a incredulidade e o ateísmo estão a um passo da mais
crassa idolatria. Não pensemos, pois, que estamos imunes à idolatria.
"Aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia!" (1Co
10.12). Faremos bem em examinar nossos próprios corações: o germe da idolatria
está aí. Lembremos as palavras de Paulo: "Fujam da idolatria".
III. Em terceiro lugar, desejo mostrar as formas que a
idolatria tem adotado na Igreja visível. Onde ela está?
Creio que não existe nada mais infundado do que a
teoria de que a Igreja de Cristo está a salvo da idolatria. Nem a Escritura nem
os fatos apoiam tal teoria. A Igreja contra a qual as portas do inferno não
prevalecerão não é a Igreja visível, mas sim todo o corpo dos eleitos, a
congregação dos verdadeiros crentes de todo povo e nação. A maior parte da
Igreja visível tem sustentado, frequentemente, muitas heresias. Suas
ramificações nunca estão a salvo de algum erro fatal, tanto na doutrina quanto
na prática. Um abandono da fé, uma queda, o esquecimento do primeiro amor em
qualquer parte da Igreja visível não deveria surpreender ao leitor mais atento
do Novo Testamento.
Aparentemente parece que os Apóstolos esperavam que
a idolatria surgisse mesmo antes do cânon do Novo Testamento ser encerrado. É
interessante observar como Paulo trata dessa questão em sua primeira epístola
aos Coríntios. Se algum irmão em Corinto fosse idólatra, os membros da igreja
não deveriam nem comer com ele (1Co 5.11). "Não sejam idólatras, como
alguns deles foram" (1Co 10.7). "Fujam da idolatria" (1Co
10.14). Quando escreve aos colossenses, os adverte contra a "adoração de
anjos" (Cl 2.18). E João encerra sua primeira epístola com o solene
mandamento: "Filhinhos, guardem-se dos ídolos" (1Jo 5.21).
A bem conhecida profecia do capítulo 4 da primeira
epístola de Paulo a Timóteo contém uma passagem deveras interessante: "O
Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e
seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios" (1Tm 4.1). Na
verdade o real significado dessa expressão é "doutrinas sobre espíritos
mortos". E à luz desse significado, a passagem torna-se uma predição
direta do auge da forma de idolatria mais perniciosa: a adoração dos santos
mortos.
Farei referência, ainda, ao final do capítulo 9 de
Apocalipse. Ali podemos ler, no versículo 20: "O restante da humanidade
que não morreu por essas pragas, nem assim se arrependeu das obras das suas
mãos; eles não pararam de adorar os demônios e os ídolos de ouro, prata,
bronze, pedra e madeira, ídolos que não podem ver, nem ouvir, nem andar".
Aventuro-me a afirmar que é bem possível que as pragas do capítulo 9 de
Apocalipse cairão sobre a Igreja visível e que é muito improvável que o
Apóstolo João estivesse profetizando sobre os pagãos que jamais ouviram o
Evangelho. A idolatria, aqui, é um pecado predito a respeito da Igreja visível.
E agora, ao passar da Bíblia para os fatos do nosso
dia a dia, o que é que observamos? Respondo sem hesitar que existem provas
inequívocas de que as advertências e predições da Bíblia não foram feitas sem
causa e que efetivamente a idolatria surgiu na Igreja visível de Cristo, e
continua existindo nela.
No século IV, Jerônimo queixou-se dos "erros
das imagens, que vieram dos gentios para os cristãos"; e Eusébio disse:
"Vemos que apresentam imagens de Pedro e Paulo e mesmo de nosso Senhor
Jesus Cristo, costume que vem dos antigos hábitos pagãos e que hoje se
conservam com indiferença". No século V, Pôncio Paulino, bispo de Nola,
fez que pintassem as paredes dos templos com histórias do Antigo Testamento,
para que as pessoas olhassem as imagens e decidissem se abster de excessos e
revoltas. Mas pouco a pouco aquilo deu margem à idolatria. Irene, mãe de
Constantino VI, reuniu um concílio no século VIII, em Nicéia, promulgando um
decreto segundo o qual deveriam pôr imagens em todas as igrejas da Grécia e que
tais imagens deveriam ser honradas. Nosso Livro de Homilia [da Igreja da
Inglaterra] declara: "Congregações e clero, eruditos e analfabetos,
homens, mulheres e crianças de todas as classes sociais e idades, em toda a
cristandade, naufragaram na mais abominável idolatria, o vício mais detestável
por Deus e o mais condenável para o homem, e isso durante mais de 800
anos".
Essa é uma história triste, mas exata. Creio que
nenhum homem deveria surpreender-se diante do fato de que a idolatria começou
na Igreja primitiva, se considerar cuidadosamente a excessiva reverência que a
mesma rendia, desde seus começos, aos aspectos exteriores da religião. Creio
que nenhum homem imparcial pode ler a linguagem utilizada por quase todos os
"Pais" da Igreja com respeito à própria Igreja, aos bispos, ao
ministério, ao batismo, à Ceia do Senhor, aos mártires, aos santos mortos;
nenhum homem pode ler tais escritos sem dar-se conta da diferença gritante
entre sua linguagem e a linguagem da Escritura em relação a essas questões. São
atmosferas bem diferentes. Ao ler os escritos dos Pais, percebemos que não
estamos mais em terreno santo. Descobrimos que as coisas que na Bíblia são de
importância secundária, começam a ser tratadas como essenciais e fundamentais
na literatura patrística. Descobrimos que as coisas relacionadas aos sentidos
são exaltadas a uma posição que Paulo, Pedro, Tiago e João, falando pelo
Espírito Santo, jamais as consideraram. Sim, ao ingressar na literatura
patrística, entramos também nos primórdios da idolatria. Detectamos ali as
sementes de um gigantesco esquema de idolatria que posteriormente foi
formalmente aceito e estabelecido em todos os rincões da cristandade.
Em nossa própria época, não tenho dúvidas de que a
idolatria encontra sua manifestação mais notória na Igreja de Roma.
Sim, a idolatria é um dos mais clamorosos pecados
dos quais a Igreja de Roma é culpada. Digo isso com pleno reconhecimento de
nossas falhas como protestantes, inclusive não pouca idolatria em nossas
fileiras. Mas quando falamos de idolatria formal, reconhecida e sistematizada,
francamente devemos falar de catolicismo romano.
Idolatria é ter imagens e retratos de
"santos" nas igrejas e reverenciá-los sem base nem precedente algum
para isso nas Escrituras. Portanto, afirmo que há idolatria na Igreja de Roma.
Idolatria é invocar a virgem Maria e aos santos e
dirigir-se a eles utilizando uma linguagem que nas Escrituras é reservada
somente para a Santíssima Trindade. Portanto, afirmo que há idolatria na Igreja
de Roma.
Idolatria é inclinar-se diante de coisas materiais
e atribuir a elas um poder e uma santidade muito superiores aos que eram
atribuídos, por exemplo, à arca da aliança ou ao altar de sacrifícios do Antigo
Testamento; e um poder e uma santidade completamente alheios à Palavra de Deus.
Portanto, afirmo que há idolatria na Igreja de Roma.
Idolatria é adorar aquilo que foi feito pelas mãos dos
homens, chamar isso de Deus e adorá-lo quando é erguido diante de nossos olhos.
E posto que é assim com a doutrina da transubstanciação e com a elevação da
hóstia, afirmo que há idolatria na Igreja de Roma.
Idolatria é fazer de homens ordenados mediadores
entre Deus e o povo, roubando do Senhor Jesus Cristo o Seu ofício e rendendo a
tais homens uma honra que até mesmo os Apóstolos e os anjos rejeitaram para si,
como podemos ver nas Escrituras. E posto que é assim que acontece com a honra
concedida aos papas e sacerdotes, afirmo que há idolatria na Igreja de Roma.
Sei que meu linguajar choca muitas mentes. Os
homens gostam de fechar os olhos diante de males que deveriam ser rejeitados.
Preferem não ver as coisas que implicam consequencias desagradáveis. Homens
assim negarão que a Igreja de Roma é idólatra.
Os romanistas nos dizem que a reverência que a
Igreja de Roma dá aos santos e às imagens não equivale à idolatria. Eles nos
informam que há distinções entre a adoração "latria" e
"dulia", entre uma mediação de redenção e uma mediação de
intercessão, e isso os deixa sem culpa. Minha resposta é que a Bíblia
desconhece essas distinções e que, na prática efetiva da absoluta maioria dos
católicos romanos, tais distinções artificiais não existem em absoluto.
Os romanistas nos dizem, também, que é um erro
supor que os católicos romanos realmente adoram imagens e retratos diante dos
quais realizam seus cultos, e que somente os utilizam como "ajudas"
para a devoção, e que na realidade estão olhando bem mais além. Minha resposta
é que muitos pagãos podem dizer o mesmo de sua idolatria. Tal desculpa não é
válida. Os termos do segundo mandamento são bem claros: proíbe-se prostrar, além de adorar. E a conduta da Igreja de Roma, com sua preocupação de
excluir o segundo mandamento de seus catecismos e ensinos, fala por si mesma
como um fato que testifica da consciência culpada pela idolatria dos dirigentes
católicos.
Os romanistas nos dizem, ainda, que não temos
provas de nossas asseverações a respeito da idolatria; que baseamos nossas
conclusões nos "abusos" que cometem os membros mais ignorantes da
comunhão católica, e que é absurdo dizer que uma Igreja onde há tantos homens
sábios e eruditos seja uma Igreja idólatra. Ora, qualquer um que leia as
orações católicas dirigidas a Maria (escritas por ilustres membros do colegiado
católico) verá que não cometemos nenhum exagero quando afirmamos que a Igreja
de Roma é idólatra. Tais orações e louvores são dirigidos a uma mulher que,
apesar de ser grandemente favorecida e de ser a mãe terrena de nosso Senhor,
era no entanto tão pecadora quanto qualquer um de nós, uma mulher que confessou
sua própria necessidade de um Salvador pessoal: "O meu espírito se alegra
em Deus, meu Salvador" (Lc 1.47). Essa linguagem, à luz do Novo
Testamento, revela a terrível idolatria da qual a Igreja de Roma é culpada.
Mas, além disso, temos outras evidências fornecidas
pela própria Roma. O que os devotos, homens e mulheres, fazem diante do papa?
Que religião impera atrás dos muros do Vaticano? Como é o catolicismo em Roma,
sem travas nem restrições? Que os homens observem o que acontece naquele lugar,
e em suas sucursais espalhadas pelo mundo todo, e não poderão deixar de chegar
à conclusão de que o romanismo não passa de um gigantesco sistema de adoração a
Maria e aos santos e a imagens e a relíquias e a sacerdotes; em poucas
palavras, uma grande idolatria organizada.
Há uma grande diferença entre os dogmas da Igreja
de Roma e as opiniões particulares de seus membros. Creio que muitos católicos
romanos são incoerentes em seus corações e são até mesmo melhores do que a
igreja a qual pertencem, pelo menos assim espero. Lembro aqui dos jansenitas,
de Quesnel e de Martin Boss. Creio que há muitos pobres católicos que praticam
a idolatria porque não conhecem nada melhor. Não têm uma Bíblia que os instrua.
Não contam com um ministro fiel que lhes ensine. Temem ao sacerdote diante
deles e não se atrevem a pensar por si mesmos. Em tempos como estes, quando
muitos estão dispostos a separar-se da verdadeira Igreja e seguir para a Igreja
de Roma, minha consciência me repreenderia caso não advertisse claramente aos
homens que o catolicismo romano é idólatra e que quem se une a ele une-se
também aos ídolos.
Em nenhum outro lugar a idolatria se manifesta tão
visivelmente como na Igreja de Roma.
IV. E agora, em último lugar, desejo falar sobre a abolição
definitiva da idolatria. O que acabará com
ela?
Considero que a alma do homem que não deseja a
extinção da idolatria encontra-se enferma. Não pode estar em comunhão com
o Deus verdadeiro o coração que pensa nos bilhões que estão mergulhados no
paganismo ou os que honram ao falso profeta Maomé ou aos que oferecem
diariamente orações a Maria e aos santos, e não clama: "Oh, meu Deus,
quando chegará o fim de todas essas coisas? Até quando, Senhor?".
Aqui, como em outras questões, a palavra da
profecia vem em nosso auxílio. Um dia chegará ao fim toda forma de idolatria.
Sua condenação é certa. Sua destruição está assinalada. Seja em templos pagãos,
seja em supostas igrejas "cristãs", a idolatria será destruída na Segunda
Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Então se cumprirá plenamente a profecia de
Isaías: "os ídolos desaparecerão por completo" (Is 2.18).
Cumprir-se-ão as palavras de Miquéias: "Destruirei as suas imagens
esculpidas e as suas colunas sagradas; vocês não se curvarão mais diante da
obra de suas mãos" (Mq 5.13). E as palavras de Sofonias: "O SENHOR
será terrível contra eles, quando destruir todos os deuses da terra" (Sf
2.11).
E as palavras de Zacarias: "Naquele dia
eliminarei da terra de Israel os nomes dos ídolos, e nunca mais serão
lembrados" (Zc 13.2). Numa palavra, o Salmo 97 encontrará seu pleno
cumprimento: "O SENHOR reina! Ficam decepcionados todos os que adoram
imagens e se vangloriam de ídolos. Prostram-se diante dele todos os deuses!"
(Sl 97.1,7).
A Segunda Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo é essa
bendita esperança que deve consolar todos os filhos de Deus. É a estrela polar
que deve guiar nossa viagem. É o ponto no qual todas as nossas expectativas
devem concentrar-se. "Pois em breve, muito em breve Aquele que vem virá, e
não demorará" (Hb 10.37). O Senhor manifestará Seu grande poder, reinará e
fará com que todo joelho se dobre diante d'Ele.
Até então não desfrutamos perfeitamente de nossa
redenção, como diz Paulo aos efésios: "vocês foram selados para o dia da
redenção" (Ef 4.30). Até Cristo voltar nossa salvação não estará completa,
como diz Pedro: "são protegidos pelo poder de Deus até chegar a salvação
prestes a ser revelada no último tempo" (1Pe 1.5). Em resumo, o melhor
está por vir.
Mas, no dia do regresso de nosso Senhor, todo
desejo receberá sua plena satisfação. Já não estaremos mais abatidos e exaustos
por esse sentimento de debilidade e decepção. Na presença do Senhor
encontraremos plenitude de alegria, e ao despertarmos em Sua semelhança
estaremos satisfeitos verdadeiramente (Sl 16.11; 17.15).
Agora há muitas abominações na Igreja visível ante
as quais somente podemos gemer e clamar como faziam os fiéis no tempo de
Ezequiel (cf. Ez 9.4). Não podemos eliminar todos os erros. O trigo e o joio
crescem juntos até chegar a colheita. Mas está próximo o dia em que o Senhor
Jesus purificará uma vez mais o Seu templo e lançará fora toda a imundície.
Fará a obra da qual os atos de Ezequias e Josias foram um pálido tipo em suas
épocas. Lançará fora as imagens e destruirá a idolatria em todas as suas
manifestações.
Quem anela agora pela conversão do mundo pagão? Não
a veremos em sua plenitude até a manifestação do Senhor Jesus. Então, e somente
então, será cumprida esta palavra: "Naquele dia os homens atirarão aos
ratos e aos morcegos os ídolos de prata e os ídolos de ouro, que fizeram para
adorar" (Is 2.20).
Quem anseia agora pela redenção de Israel? Não a
veremos em sua plenitude até que o Redentor venha a Sião. A idolatria na Igreja
professante de Cristo tem sido uma das mais terríveis pedras de tropeço no
caminho dos judeus. Quando comece a cair, começará a ser retirado o véu que
cobre o coração de Israel (cf. Sl 102.16).
Quem deseja agora a queda do Anticristo e a
purificação da Igreja de Roma? Não a veremos até o fim desta era. Esse vasto
sistema de idolatria será consumido pela manifestação do Senhor (cf. 2Ts 2.8).
Quem quer uma Igreja perfeita, uma Igreja na qual
não exista mais a menor mancha de idolatria? Não a veremos até o retorno do
Senhor. Então, e somente então, veremos uma Igreja perfeita, uma Igreja sem
mancha nem ruga nem coisas semelhantes (cf. Ef 5.27), uma Igreja da qual todos
os membros estarão regenerados e todos serão filhos de Deus.
Se é assim, os homens não devem surpreender-se
quando os instemos a estudar a profecia e a confiar na doutrina da Segunda
Vinda de Cristo. Essa é a "tocha que ilumina na escuridão", à qual
faremos bem em prestar atenção. Deixemos que outros se entreguem às fantasias,
se assim o desejam, com a ideia imaginária de uma "Igreja do futuro".
Deixemos que os filhos deste mundo sonhem com um tipo de "homem vindouro"
que compreenda todas as coisas e ponha ordem neste mundo. Somente estão
cultivando uma amarga decepção. Reconhecerão que suas visões são infundadas e
vazias como um sonho fugaz. A eles podem bem ser aplicadas as palavras do
profeta: "Mas agora, todos vocês que acendem fogo e fornecem a si mesmos
tochas acesas, vão, andem na luz de seus fogos e das tochas que vocês
acenderam. Vejam o que receberão da minha mão: vocês se deitarão
atormentados" (Is 50.11).
Atente para a Segunda Vinda de Cristo. Esse é o único
Dia em que se corrigirá todo abuso e se castigará toda corrupção e fonte de
tristeza. Aguardando esse Dia, trabalhemos e sirvamos a nossa geração; não
estando ociosos, como se nada pudesse ser feito para refrear o mal; mas também
não num ativismo cego e infrutífero, pois vemos todas as coisas ainda sujeitas
ao nosso Senhor. Depois de tudo, a noite está avançada e o Dia vem se
aproximando. Eu o exorto a esperar no Senhor.
Posto que as coisas são assim, os homens não devem
se surpreender de nossas advertências a respeito da Igreja de Roma. Sem dúvida,
quando a ideia de Deus a respeito da idolatria é revelada tão claramente em Sua
Palavra, parece o cúmulo do absurdo unir-se a uma instituição tão impregnada de
idolatria como a Igreja de Roma. Nem pensar em ter comunhão com ela, quando
Deus diz: "Saiam dela, vocês, povo meu, para que vocês não participem dos
seus pecados, para que as pragas que vão cair sobre ela não os atinjam!"
(Ap 18.4). Nem pensar em buscá-la, quando o Senhor nos adverte para que a abandonemos
e não nos convertamos em seus súditos. "Fuja pela sua vida, fuja da ira
vindoura". Pertencer à Igreja de Roma certamente é cegueira mental, uma
cegueira como a daquele que, mesmo avisado, embarca num navio que está
naufragando; uma cegueira indesculpável, diante de tudo aquilo que se pode ver
na Igreja de Roma.
Todos devemos vigiar. Não devemos aceitar nada a priori. Não devemos supor apressadamente que somos muito sábios para que
alguém nos engane. Aqueles que pregam devem clamar em voz alta e jamais calar,
não permitir que nenhuma falsa amabilidade os silencie com respeito às heresias
destes tempos. Aqueles que ouvem devem cingir-se com o cinto da Verdade e ter
suas mentes cheias de ideias claras com relação ao fim de todos os que se
prostram diante de ídolos. Veja, o fim de todas as coisas se aproxima e com ele
a abolição da idolatria. É hora de aproximar-se de Roma? Não será hora de
afastar-se dela? É hora de mitigar e menosprezar a corrupção de Roma e de negar
a gravidade de seus pecados? Sem dúvida deveríamos ser muito mais zelosos e
impedir qualquer tentativa de romanizar a verdadeira religião, e duplamente
cuidadosos a fim de evitar toda conivência com qualquer traição contra Cristo,
e sempre dispostos a protestar contra a adoração antibíblica de qualquer tipo.
Repito que a destruição da idolatria é certa; portanto, afastemo-nos da
Igreja de Roma.
O assunto que estou tratando é de importância
profunda e transcendente e exige a séria atenção de todos os protestantes. Tem
estado em marcha um exitoso processo de desprotestantização. Sustento que devemos resistir firmemente ao romanismo. Apesar da
suposta erudição e devoção de seus defensores, trata-se de um movimento
pernicioso, destruidor de almas e contrário às Escrituras. Dizer que a união com
Roma seria um insulto para os nossos reformadores martirizados é ser muito
suave: seria um pecado e uma ofensa contra Deus! Antes de vê-la unida à Igreja
de Roma, preferiria ver minha amada Igreja perecer em pedaços. Melhor morrer do
que tornar-se papista!
Sem dúvida, a Unidade abstrata é algo excelente;
mas a Unidade sem a Verdade é inútil. A Paz e a Uniformidade são belas e
valiosas: mas a Paz sem o Evangelho - a Paz baseada num episcopado comum e não
numa fé comum - carece de valor e não merece apelativo. Quando Roma tiver
revogado os decretos de Trento e suas adições ao Credo, quando Roma houver se
retratado de suas doutrinas falsas e antibíblicas, quando Roma renunciar
formalmente à adoração de imagens, à adoração a Maria e à transubstanciação; então,
e somente então, será hora de falar em união com ela. Até então há um abismo
sobre o qual não se pode construir uma ponte segura. Até então, chamo todos os
pastores a resistir até a morte contra a ideia de união com Roma. Nosso lema
deve ser: "Não à comunhão com os idólatras!".
Escrevo tudo isso com tristeza. Mas as
circunstâncias fazem com que seja absolutamente necessário que nos
pronunciemos. Independentemente de para que lado do horizonte olhemos, vejo
motivos para alarme. Não temo em absoluto pela verdadeira Igreja de Cristo. Mas
temo pela Igreja da Inglaterra e por todas as igrejas protestantes da
Inglaterra. A maré de acontecimentos parece ir contra o protestantismo e a
favor do romanismo. Parece que Deus tem uma controvérsia conosco como nação e
que está a ponto de castigar-nos pelos nossos pecados.
Não sou profeta. Não sei para onde nos dirigimos.
Mas é possível que em alguns anos a Igreja da Inglaterra una-se à Igreja de
Roma. Talvez a coroa real britânica descanse outra vez sobre a cabeça de um
papista. Talvez a missa volte a ser rezada em Westminster. O resultado será que
todos os cristãos que leem a Bíblia devem abandonar a Igreja da Inglaterra ou
então aprovar a adoração de ídolos, transformando-se em idólatras! Deus nos
conceda que jamais cheguemos a semelhante estado de coisas!
E agora somente me resta concluir mencionando
algumas diretrizes para as almas de meus leitores. Vivemos numa época em que a
Igreja de Roma caminha entre nós com forças renovadas e jactando-se de
recuperar o terreno perdido. Permitam-me sinalizar como poderemos estar a salvo
dela.
1) Precisamos de um profundo conhecimento da
Palavra de Deus. Leiamos nossas Bíblias diligentemente. Que a Palavra habite em
nós abundantemente. A leitura bíblica deve ser nossa prioridade. A Bíblia é a
espada do Espírito; jamais a deixemos de lado. A Bíblia é nossa lâmpada, a
verdadeira tocha, não andemos sem a sua luz. A Bíblia é a estrada real. Se a
deixarmos por outro caminho - por mais bonito, antigo e frequentado que pareça
- não devemos nos surpreender se acabamos adorando imagens e relíquias e indo
ao confessionário com regularidade.
2) Precisamos de um zelo piedoso pelo Evangelho.
Não deixemos de censurar qualquer tentativa, por menor que seja, de tirar um
jota ou um til do Evangelho. Subtrair ensinos da Palavra de Deus é um caminho
seguro para a idolatria.
3) Precisamos de ideias claras e sadias sobre o
nosso Senhor Jesus Cristo e da salvação que há n'Ele. Ele é "a imagem do
Deus invisível" e a verdadeira proteção contra toda idolatria quando O
conhecemos verdadeiramente. Edifiquemos nossas vidas sobre o firme fundamento
da obra que Ele completou na cruz. Tenhamos bem claro que Jesus já fez tudo o
que é necessário para que sejamos salvos e que nossa parte é simplesmente exercer
a fé de uma criança. Não duvidemos que com esta fé já estamos plenamente
justificados e que não podemos acrescentar nada aos méritos de Cristo.
Acima de tudo, mantenhamos comunhão contínua com a
pessoa do Senhor Jesus! Habitemos n'Ele diariamente, alimentemos-nos d'Ele
continuamente, olhemos para Ele e apoiemos-nos n'Ele o tempo todo!
Compreendamos isso, e a ideia de outros mediadores parecerá completamente
absurda. "Que necessidade tenho eu de ídolos?", diremos. "Tenho
a Cristo e n'Ele tenho tudo. Que tenho a ver com os ídolos? Tenho Jesus em meu
coração, Jesus na Bíblia, Jesus no Céu, e não quero nem preciso de nada
mais!".
Uma vez que permitimos que o Senhor Jesus ocupe o
lugar correto em nossos corações, todas as demais coisas em nossa religião serão
ajustadas corretamente. A Igreja, os ministros, os sacramentos ou ordenanças,
tudo o mais ocupará um segundo lugar.
A menos que Cristo se assente como Sacerdote e Rei
no trono de nossos corações, nosso pequeno reino interior estará em perpétua
confusão. Mas se Ele for "tudo em tudo", aí tudo irá bem. Diante
d'Ele cairá todo ídolo! Conhecer a Cristo corretamente, crer em Cristo
verdadeiramente, amar a Cristo de todo o coração é a verdadeira proteção contra
o ritualismo, o catolicismo romano e toda forma de idolatria.
John Charles Ryle (1816-1900) foi o
primeiro bispo de Liverpool, um escritor prolífico e defensor do caráter
protestante da Igreja da Inglaterra. Mais de 100 anos depois de sua morte, seus
escritos ainda falam poderosamente aos cristãos da atualidade.
Fonte: RYLE, J. C. Advertencias a las Iglesias. Moral de Calatrava (Ciudad Real): Peregrino, 2003, pp. 132-157.
Traduzido do espanhol.
ide-se � �/ u � 6 0f5 ia!" (1Co 10.12). Faremos bem em examinar nossos próprios corações: o germe da idolatria está aí. Lembremos as palavras de Paulo: "Fujam da idolatria".
III. Em terceiro lugar, desejo mostrar as formas que a idolatria tem adotado na Igreja visível. Onde ela está?
Creio que não existe nada mais infundado do que a teoria de que a Igreja de Cristo está a salvo da idolatria. Nem a Escritura nem os fatos apoiam tal teoria. A Igreja contra a qual as portas do inferno não prevalecerão não é a Igreja visível, mas sim todo o corpo dos eleitos, a congregação dos verdadeiros crentes de todo povo e nação. A maior parte da Igreja visível tem sustentado, frequentemente, muitas heresias. Suas ramificações nunca estão a salvo de algum erro fatal, tanto na doutrina quanto na prática. Um abandono da fé, uma queda, o esquecimento do primeiro amor em qualquer parte da Igreja visível não deveria surpreender ao leitor mais atento do Novo Testamento.
Aparentemente parece que os Apóstolos esperavam que a idolatria surgisse mesmo antes do cânon do Novo Testamento ser encerrado. É interessante observar como Paulo trata dessa questão em sua primeira epístola aos Coríntios. Se algum irmão em Corinto fosse idólatra, os membros da igreja não deveriam nem comer com ele (1Co 5.11). "Não sejam idólatras, como alguns deles foram" (1Co 10.7). "Fujam da idolatria" (1Co 10.14). Quando escreve aos colossenses, os adverte contra a "adoração de anjos" (Cl 2.18). E João encerra sua primeira epístola com o solene mandamento: "Filhinhos, guardem-se dos ídolos" (1Jo 5.21).
A bem conhecida profecia do capítulo 4 da primeira epístola de Paulo a Timóteo contém uma passagem deveras interessante: "O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios" (1Tm 4.1). Na verdade o real significado dessa expressão é "doutrinas sobre espíritos mortos". E à luz desse significado, a passagem torna-se uma predição direta do auge da forma de idolatria mais perniciosa: a adoração dos santos mortos.
Farei referência, ainda, ao final do capítulo 9 de Apocalipse. Ali podemos ler, no versículo 20: "O restante da humanidade que não morreu por essas pragas, nem assim se arrependeu das obras das suas mãos; eles não pararam de adorar os demônios e os ídolos de ouro, prata, bronze, pedra e madeira, ídolos que não podem ver, nem ouvir, nem andar". Aventuro-me a afirmar que é bem possível que as pragas do capítulo 9 de Apocalipse cairão sobre a Igreja visível e que é muito improvável que o Apóstolo João estivesse profetizando sobre os pagãos que jamais ouviram o Evangelho. A idolatria, aqui, é um pecado predito a respeito da Igreja visível.
E agora, ao passar da Bíblia para os fatos do nosso dia a dia, o que é que observamos? Respondo sem hesitar que existem provas inequívocas de que as advertências e predições da Bíblia não foram feitas sem causa e que efetivamente a idolatria surgiu na Igreja visível de Cristo, e continua existindo nela.
No século IV, Jerônimo queixou-se dos "erros das imagens, que vieram dos gentios para os cristãos"; e Eusébio disse: "Vemos que apresentam imagens de Pedro e Paulo e mesmo de nosso Senhor Jesus Cristo, costume que vem dos antigos hábitos pagãos e que hoje se conservam com indiferença". No século V, Pôncio Paulino, bispo de Nola, fez que pintassem as paredes dos templos com histórias do Antigo Testamento, para que as pessoas olhassem as imagens e decidissem se abster de excessos e revoltas. Mas pouco a pouco aquilo deu margem à idolatria. Irene, mãe de Constantino VI, reuniu um concílio no século VIII, em Nicéia, promulgando um decreto segundo o qual deveriam pôr imagens em todas as igrejas da Grécia e que tais imagens deveriam ser honradas. Nosso Livro de Homilia [da Igreja da Inglaterra] declara: "Congregações e clero, eruditos e analfabetos, homens, mulheres e crianças de todas as classes sociais e idades, em toda a cristandade, naufragaram na mais abominável idolatria, o vício mais detestável por Deus e o mais condenável para o homem, e isso durante mais de 800 anos".
Essa é uma história triste, mas exata. Creio que nenhum homem deveria surpreender-se diante do fato de que a idolatria começou na Igreja primitiva, se considerar cuidadosamente a excessiva reverência que a mesma rendia, desde seus começos, aos aspectos exteriores da religião. Creio que nenhum homem imparcial pode ler a linguagem utilizada por quase todos os "Pais" da Igreja com respeito à própria Igreja, aos bispos, ao ministério, ao batismo, à Ceia do Senhor, aos mártires, aos santos mortos; nenhum homem pode ler tais escritos sem dar-se conta da diferença gritante entre sua linguagem e a linguagem da Escritura em relação a essas questões. São atmosferas bem diferentes. Ao ler os escritos dos Pais, percebemos que não estamos mais em terreno santo. Descobrimos que as coisas que na Bíblia são de importância secundária, começam a ser tratadas como essenciais e fundamentais na literatura patrística. Descobrimos que as coisas relacionadas aos sentidos são exaltadas a uma posição que Paulo, Pedro, Tiago e João, falando pelo Espírito Santo, jamais as consideraram. Sim, ao ingressar na literatura patrística, entramos também nos primórdios da idolatria. Detectamos ali as sementes de um gigantesco esquema de idolatria que posteriormente foi formalmente aceito e estabelecido em todos os rincões da cristandade.
Em nossa própria época, não tenho dúvidas de que a idolatria encontra sua manifestação mais notória na Igreja de Roma.
Sim, a idolatria é um dos mais clamorosos pecados dos quais a Igreja de Roma é culpada. Digo isso com pleno reconhecimento de nossas falhas como protestantes, inclusive não pouca idolatria em nossas fileiras. Mas quando falamos de idolatria formal, reconhecida e sistematizada, francamente devemos falar de catolicismo romano.
Idolatria é ter imagens e retratos de "santos" nas igrejas e reverenciá-los sem base nem precedente algum para isso nas Escrituras. Portanto, afirmo que há idolatria na Igreja de Roma.
Idolatria é invocar a virgem Maria e aos santos e dirigir-se a eles utilizando uma linguagem que nas Escrituras é reservada somente para a Santíssima Trindade. Portanto, afirmo que há idolatria na Igreja de Roma.
Idolatria é inclinar-se diante de coisas materiais e atribuir a elas um poder e uma santidade muito superiores aos que eram atribuídos, por exemplo, à arca da aliança ou ao altar de sacrifícios do Antigo Testamento; e um poder e uma santidade completamente alheios à Palavra de Deus. Portanto, afirmo que há idolatria na Igreja de Roma.
Idolatria é adorar aquilo que foi feito pelas mãos dos homens, chamar isso de Deus e adorá-lo quando é erguido diante de nossos olhos. E posto que é assim com a doutrina da transubstanciação e com a elevação da hóstia, afirmo que há idolatria na Igreja de Roma.
Idolatria é fazer de homens ordenados mediadores entre Deus e o povo, roubando do Senhor Jesus Cristo o Seu ofício e rendendo a tais homens uma honra que até mesmo os Apóstolos e os anjos rejeitaram para si, como podemos ver nas Escrituras. E posto que é assim que acontece com a honra concedida aos papas e sacerdotes, afirmo que há idolatria na Igreja de Roma.
Sei que meu linguajar choca muitas mentes. Os homens gostam de fechar os olhos diante de males que deveriam ser rejeitados. Preferem não ver as coisas que implicam consequencias desagradáveis. Homens assim negarão que a Igreja de Roma é idólatra.
Os romanistas nos dizem que a reverência que a Igreja de Roma dá aos santos e às imagens não equivale à idolatria. Eles nos informam que há distinções entre a adoração "latria" e "dulia", entre uma mediação de redenção e uma mediação de intercessão, e isso os deixa sem culpa. Minha resposta é que a Bíblia desconhece essas distinções e que, na prática efetiva da absoluta maioria dos católicos romanos, tais distinções artificiais não existem em absoluto.
Os romanistas nos dizem, também, que é um erro supor que os católicos romanos realmente adoram imagens e retratos diante dos quais realizam seus cultos, e que somente os utilizam como "ajudas" para a devoção, e que na realidade estão olhando bem mais além. Minha resposta é que muitos pagãos podem dizer o mesmo de sua idolatria. Tal desculpa não é válida. Os termos do segundo mandamento são bem claros: proíbe-se prostrar, além de adorar. E a conduta da Igreja de Roma, com sua preocupação de excluir o segundo mandamento de seus catecismos e ensinos, fala por si mesma como um fato que testifica da consciência culpada pela idolatria dos dirigentes católicos.
Os romanistas nos dizem, ainda, que não temos provas de nossas asseverações a respeito da idolatria; que baseamos nossas conclusões nos "abusos" que cometem os membros mais ignorantes da comunhão católica, e que é absurdo dizer que uma Igreja onde há tantos homens sábios e eruditos seja uma Igreja idólatra. Ora, qualquer um que leia as orações católicas dirigidas a Maria (escritas por ilustres membros do colegiado católico) verá que não cometemos nenhum exagero quando afirmamos que a Igreja de Roma é idólatra. Tais orações e louvores são dirigidos a uma mulher que, apesar de ser grandemente favorecida e de ser a mãe terrena de nosso Senhor, era no entanto tão pecadora quanto qualquer um de nós, uma mulher que confessou sua própria necessidade de um Salvador pessoal: "O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador" (Lc 1.47). Essa linguagem, à luz do Novo Testamento, revela a terrível idolatria da qual a Igreja de Roma é culpada.
Mas, além disso, temos outras evidências fornecidas pela própria Roma. O que os devotos, homens e mulheres, fazem diante do papa? Que religião impera atrás dos muros do Vaticano? Como é o catolicismo em Roma, sem travas nem restrições? Que os homens observem o que acontece naquele lugar, e em suas sucursais espalhadas pelo mundo todo, e não poderão deixar de chegar à conclusão de que o romanismo não passa de um gigantesco sistema de adoração a Maria e aos santos e a imagens e a relíquias e a sacerdotes; em poucas palavras, uma grande idolatria organizada.
Há uma grande diferença entre os dogmas da Igreja de Roma e as opiniões particulares de seus membros. Creio que muitos católicos romanos são incoerentes em seus corações e são até mesmo melhores do que a igreja a qual pertencem, pelo menos assim espero. Lembro aqui dos jansenitas, de Quesnel e de Martin Boss. Creio que há muitos pobres católicos que praticam a idolatria porque não conhecem nada melhor. Não têm uma Bíblia que os instrua. Não contam com um ministro fiel que lhes ensine. Temem ao sacerdote diante deles e não se atrevem a pensar por si mesmos. Em tempos como estes, quando muitos estão dispostos a separar-se da verdadeira Igreja e seguir para a Igreja de Roma, minha consciência me repreenderia caso não advertisse claramente aos homens que o catolicismo romano é idólatra e que quem se une a ele une-se também aos ídolos.
Em nenhum outro lugar a idolatria se manifesta tão visivelmente como na Igreja de Roma.
IV. E agora, em último lugar, desejo falar sobre a abolição definitiva da idolatria. O que acabará com ela?
Considero que a alma do homem que não deseja a extinção da idolatria encontra-se enferma. Não pode estar em comunhão com o Deus verdadeiro o coração que pensa nos bilhões que estão mergulhados no paganismo ou os que honram ao falso profeta Maomé ou aos que oferecem diariamente orações a Maria e aos santos, e não clama: "Oh, meu Deus, quando chegará o fim de todas essas coisas? Até quando, Senhor?".
Aqui, como em outras questões, a palavra da profecia vem em nosso auxílio. Um dia chegará ao fim toda forma de idolatria. Sua condenação é certa. Sua destruição está assinalada. Seja em templos pagãos, seja em supostas igrejas "cristãs", a idolatria será destruída na Segunda Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Então se cumprirá plenamente a profecia de Isaías: "os ídolos desaparecerão por completo" (Is 2.18). Cumprir-se-ão as palavras de Miquéias: "Destruirei as suas imagens esculpidas e as suas colunas sagradas; vocês não se curvarão mais diante da obra de suas mãos" (Mq 5.13). E as palavras de Sofonias: "O SENHOR será terrível contra eles, quando destruir todos os deuses da terra" (Sf 2.11).
E as palavras de Zacarias: "Naquele dia eliminarei da terra de Israel os nomes dos ídolos, e nunca mais serão lembrados" (Zc 13.2). Numa palavra, o Salmo 97 encontrará seu pleno cumprimento: "O SENHOR reina! Ficam decepcionados todos os que adoram imagens e se vangloriam de ídolos. Prostram-se diante dele todos os deuses!" (Sl 97.1,7).
A Segunda Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo é essa bendita esperança que deve consolar todos os filhos de Deus. É a estrela polar que deve guiar nossa viagem. É o ponto no qual todas as nossas expectativas devem concentrar-se. "Pois em breve, muito em breve Aquele que vem virá, e não demorará" (Hb 10.37). O Senhor manifestará Seu grande poder, reinará e fará com que todo joelho se dobre diante d'Ele.
Até então não desfrutamos perfeitamente de nossa redenção, como diz Paulo aos efésios: "vocês foram selados para o dia da redenção" (Ef 4.30). Até Cristo voltar nossa salvação não estará completa, como diz Pedro: "são protegidos pelo poder de Deus até chegar a salvação prestes a ser revelada no último tempo" (1Pe 1.5). Em resumo, o melhor está por vir.
Mas, no dia do regresso de nosso Senhor, todo desejo receberá sua plena satisfação. Já não estaremos mais abatidos e exaustos por esse sentimento de debilidade e decepção. Na presença do Senhor encontraremos plenitude de alegria, e ao despertarmos em Sua semelhança estaremos satisfeitos verdadeiramente (Sl 16.11; 17.15).
Agora há muitas abominações na Igreja visível ante as quais somente podemos gemer e clamar como faziam os fiéis no tempo de Ezequiel (cf. Ez 9.4). Não podemos eliminar todos os erros. O trigo e o joio crescem juntos até chegar a colheita. Mas está próximo o dia em que o Senhor Jesus purificará uma vez mais o Seu templo e lançará fora toda a imundície. Fará a obra da qual os atos de Ezequias e Josias foram um pálido tipo em suas épocas. Lançará fora as imagens e destruirá a idolatria em todas as suas manifestações.
Quem anela agora pela conversão do mundo pagão? Não a veremos em sua plenitude até a manifestação do Senhor Jesus. Então, e somente então, será cumprida esta palavra: "Naquele dia os homens atirarão aos ratos e aos morcegos os ídolos de prata e os ídolos de ouro, que fizeram para adorar" (Is 2.20).
Quem anseia agora pela redenção de Israel? Não a veremos em sua plenitude até que o Redentor venha a Sião. A idolatria na Igreja professante de Cristo tem sido uma das mais terríveis pedras de tropeço no caminho dos judeus. Quando comece a cair, começará a ser retirado o véu que cobre o coração de Israel (cf. Sl 102.16).
Quem deseja agora a queda do Anticristo e a purificação da Igreja de Roma? Não a veremos até o fim desta era. Esse vasto sistema de idolatria será consumido pela manifestação do Senhor (cf. 2Ts 2.8).
Quem quer uma Igreja perfeita, uma Igreja na qual não exista mais a menor mancha de idolatria? Não a veremos até o retorno do Senhor. Então, e somente então, veremos uma Igreja perfeita, uma Igreja sem mancha nem ruga nem coisas semelhantes (cf. Ef 5.27), uma Igreja da qual todos os membros estarão regenerados e todos serão filhos de Deus.
Se é assim, os homens não devem surpreender-se quando os instemos a estudar a profecia e a confiar na doutrina da Segunda Vinda de Cristo. Essa é a "tocha que ilumina na escuridão", à qual faremos bem em prestar atenção. Deixemos que outros se entreguem às fantasias, se assim o desejam, com a ideia imaginária de uma "Igreja do futuro". Deixemos que os filhos deste mundo sonhem com um tipo de "homem vindouro" que compreenda todas as coisas e ponha ordem neste mundo. Somente estão cultivando uma amarga decepção. Reconhecerão que suas visões são infundadas e vazias como um sonho fugaz. A eles podem bem ser aplicadas as palavras do profeta: "Mas agora, todos vocês que acendem fogo e fornecem a si mesmos tochas acesas, vão, andem na luz de seus fogos e das tochas que vocês acenderam. Vejam o que receberão da minha mão: vocês se deitarão atormentados" (Is 50.11).
Atente para a Segunda Vinda de Cristo. Esse é o único Dia em que se corrigirá todo abuso e se castigará toda corrupção e fonte de tristeza. Aguardando esse Dia, trabalhemos e sirvamos a nossa geração; não estando ociosos, como se nada pudesse ser feito para refrear o mal; mas também não num ativismo cego e infrutífero, pois vemos todas as coisas ainda sujeitas ao nosso Senhor. Depois de tudo, a noite está avançada e o Dia vem se aproximando. Eu o exorto a esperar no Senhor.
Posto que as coisas são assim, os homens não devem se surpreender de nossas advertências a respeito da Igreja de Roma. Sem dúvida, quando a ideia de Deus a respeito da idolatria é revelada tão claramente em Sua Palavra, parece o cúmulo do absurdo unir-se a uma instituição tão impregnada de idolatria como a Igreja de Roma. Nem pensar em ter comunhão com ela, quando Deus diz: "Saiam dela, vocês, povo meu, para que vocês não participem dos seus pecados, para que as pragas que vão cair sobre ela não os atinjam!" (Ap 18.4). Nem pensar em buscá-la, quando o Senhor nos adverte para que a abandonemos e não nos convertamos em seus súditos. "Fuja pela sua vida, fuja da ira vindoura". Pertencer à Igreja de Roma certamente é cegueira mental, uma cegueira como a daquele que, mesmo avisado, embarca num navio que está naufragando; uma cegueira indesculpável, diante de tudo aquilo que se pode ver na Igreja de Roma.
Todos devemos vigiar. Não devemos aceitar nada a priori. Não devemos supor apressadamente que somos muito sábios para que alguém nos engane. Aqueles que pregam devem clamar em voz alta e jamais calar, não permitir que nenhuma falsa amabilidade os silencie com respeito às heresias destes tempos. Aqueles que ouvem devem cingir-se com o cinto da Verdade e ter suas mentes cheias de ideias claras com relação ao fim de todos os que se prostram diante de ídolos. Veja, o fim de todas as coisas se aproxima e com ele a abolição da idolatria. É hora de aproximar-se de Roma? Não será hora de afastar-se dela? É hora de mitigar e menosprezar a corrupção de Roma e de negar a gravidade de seus pecados? Sem dúvida deveríamos ser muito mais zelosos e impedir qualquer tentativa de romanizar a verdadeira religião, e duplamente cuidadosos a fim de evitar toda conivência com qualquer traição contra Cristo, e sempre dispostos a protestar contra a adoração antibíblica de qualquer tipo. Repito que a destruição da idolatria é certa; portanto, afastemo-nos da Igreja de Roma.
O assunto que estou tratando é de importância profunda e transcendente e exige a séria atenção de todos os protestantes. Tem estado em marcha um exitoso processo de desprotestantização. Sustento que devemos resistir firmemente ao romanismo. Apesar da suposta erudição e devoção de seus defensores, trata-se de um movimento pernicioso, destruidor de almas e contrário às Escrituras. Dizer que a união com Roma seria um insulto para os nossos reformadores martirizados é ser muito suave: seria um pecado e uma ofensa contra Deus! Antes de vê-la unida à Igreja de Roma, preferiria ver minha amada Igreja perecer em pedaços. Melhor morrer do que tornar-se papista!
Sem dúvida, a Unidade abstrata é algo excelente; mas a Unidade sem a Verdade é inútil. A Paz e a Uniformidade são belas e valiosas: mas a Paz sem o Evangelho - a Paz baseada num episcopado comum e não numa fé comum - carece de valor e não merece apelativo. Quando Roma tiver revogado os decretos de Trento e suas adições ao Credo, quando Roma houver se retratado de suas doutrinas falsas e antibíblicas, quando Roma renunciar formalmente à adoração de imagens, à adoração a Maria e à transubstanciação; então, e somente então, será hora de falar em união com ela. Até então há um abismo sobre o qual não se pode construir uma ponte segura. Até então, chamo todos os pastores a resistir até a morte contra a ideia de união com Roma. Nosso lema deve ser: "Não à comunhão com os idólatras!".
Escrevo tudo isso com tristeza. Mas as circunstâncias fazem com que seja absolutamente necessário que nos pronunciemos. Independentemente de para que lado do horizonte olhemos, vejo motivos para alarme. Não temo em absoluto pela verdadeira Igreja de Cristo. Mas temo pela Igreja da Inglaterra e por todas as igrejas protestantes da Inglaterra. A maré de acontecimentos parece ir contra o protestantismo e a favor do romanismo. Parece que Deus tem uma controvérsia conosco como nação e que está a ponto de castigar-nos pelos nossos pecados.
Não sou profeta. Não sei para onde nos dirigimos. Mas é possível que em alguns anos a Igreja da Inglaterra una-se à Igreja de Roma. Talvez a coroa real britânica descanse outra vez sobre a cabeça de um papista. Talvez a missa volte a ser rezada em Westminster. O resultado será que todos os cristãos que leem a Bíblia devem abandonar a Igreja da Inglaterra ou então aprovar a adoração de ídolos, transformando-se em idólatras! Deus nos conceda que jamais cheguemos a semelhante estado de coisas!
E agora somente me resta concluir mencionando algumas diretrizes para as almas de meus leitores. Vivemos numa época em que a Igreja de Roma caminha entre nós com forças renovadas e jactando-se de recuperar o terreno perdido. Permitam-me sinalizar como poderemos estar a salvo dela.
1) Precisamos de um profundo conhecimento da Palavra de Deus. Leiamos nossas Bíblias diligentemente. Que a Palavra habite em nós abundantemente. A leitura bíblica deve ser nossa prioridade. A Bíblia é a espada do Espírito; jamais a deixemos de lado. A Bíblia é nossa lâmpada, a verdadeira tocha, não andemos sem a sua luz. A Bíblia é a estrada real. Se a deixarmos por outro caminho - por mais bonito, antigo e frequentado que pareça - não devemos nos surpreender se acabamos adorando imagens e relíquias e indo ao confessionário com regularidade.
2) Precisamos de um zelo piedoso pelo Evangelho. Não deixemos de censurar qualquer tentativa, por menor que seja, de tirar um jota ou um til do Evangelho. Subtrair ensinos da Palavra de Deus é um caminho seguro para a idolatria.
3) Precisamos de ideias claras e sadias sobre o nosso Senhor Jesus Cristo e da salvação que há n'Ele. Ele é "a imagem do Deus invisível" e a verdadeira proteção contra toda idolatria quando O conhecemos verdadeiramente. Edifiquemos nossas vidas sobre o firme fundamento da obra que Ele completou na cruz. Tenhamos bem claro que Jesus já fez tudo o que é necessário para que sejamos salvos e que nossa parte é simplesmente exercer a fé de uma criança. Não duvidemos que com esta fé já estamos plenamente justificados e que não podemos acrescentar nada aos méritos de Cristo.
Acima de tudo, mantenhamos comunhão contínua com a pessoa do Senhor Jesus! Habitemos n'Ele diariamente, alimentemos-nos d'Ele continuamente, olhemos para Ele e apoiemos-nos n'Ele o tempo todo! Compreendamos isso, e a ideia de outros mediadores parecerá completamente absurda. "Que necessidade tenho eu de ídolos?", diremos. "Tenho a Cristo e n'Ele tenho tudo. Que tenho a ver com os ídolos? Tenho Jesus em meu coração, Jesus na Bíblia, Jesus no Céu, e não quero nem preciso de nada mais!".
Uma vez que permitimos que o Senhor Jesus ocupe o lugar correto em nossos corações, todas as demais coisas em nossa religião serão ajustadas corretamente. A Igreja, os ministros, os sacramentos ou ordenanças, tudo o mais ocupará um segundo lugar.
A menos que Cristo se assente como Sacerdote e Rei no trono de nossos corações, nosso pequeno reino interior estará em perpétua confusão. Mas se Ele for "tudo em tudo", aí tudo irá bem. Diante d'Ele cairá todo ídolo! Conhecer a Cristo corretamente, crer em Cristo verdadeiramente, amar a Cristo de todo o coração é a verdadeira proteção contra o ritualismo, o catolicismo romano e toda forma de idolatria.
John Charles Ryle (1816-1900) foi o primeiro bispo de Liverpool, um escritor prolífico e defensor do caráter protestante da Igreja da Inglaterra. Mais de 100 anos depois de sua morte, seus escritos ainda falam poderosamente aos cristãos da atualidade.
Fonte: RYLE, J. C. Advertencias a las Iglesias. Moral de Calatrava (Ciudad Real): Peregrino, 2003, pp. 132-157. Traduzido do espanhol.